Episódio 17 - Sobre o fim do mundo (eleições dos EUA, crise climática, capitalismo tardio e a Vida de Brian)
Daí que o Trump ganhou a eleição para presidente dos EUA. Segundo mandato, eleito pelo colegiado e maioria de votos.
O que não falta é analista e pundit comentando o resultado das urnas e as campanhas da Kamala Harris e do Trump. Tem análises boas, análises péssimas, uma quantidade ainda maior de palpites sobre a infinidade de motivos do resultado e uma indeterminação gigantesca sobre as causas de mais essa vitória da extrema direita.
Vai demorar um pouco ainda pra gente entender o que houve.
Eu não me lembro de nenhuma eleição com tantas variáveis em jogo e ao mesmo tempo tão difícil de entender e prever por parte dos especialistas em política que eu sigo na internet. Ninguém foi categórico em nada, muito pelo contrário.
Talvez por ser escaldado pela eleição do Bolsonaro em 20181 eu já considerasse uma vitória dele bastante plausível, embora não descartasse uma vitória da Kamala. Tudo era possível e difícil de vislumbrar.
O que dá pra sentir e vislumbrar por hora (e olhe que ele ainda nem foi empossado) é que as coisas já começaram a mudar bem rápido. A guerra na Ucrânia vai se encaminhando para um desfecho2 e a coalizão do governo alemão implodiu depois da vitória do Trump, com eleições para um novo governo já convocadas. Para o Brasil, 2026 está dobrando a esquina e o prospecto não é muito animador se você é de esquerda.3
Trump também já sinalizou uma saída do acordo de Paris, e ao que tudo indica ele vai desmontar ainda mais a legislação dos EUA sobre combustíveis fósseis e emissões de gases do efeito estufa. Acho que de longe, a longo prazo, é o que vai ter maior impacto no planeta.
Parece o prenúncio do fim do mundo. Isso é, supondo-se que o mundo teria um começo e consequentemente teria fim4 (mas se você compartilha da visão linear da história, então o prospecto é de fim do mundo sim).
O que pega pra nós mortais é que não precisa nem ser um fim literal ou alguma forma de final apocalíptico5. Basta só uma mudança social de leve e rapidinho somos catapultados aos reinos dos infernos ainda em vida. Se pá, com direito a feedback loop, causando ainda mais mudanças indesejadas ou prejudiciais.
Seria o prognóstico de futuro de fato ruim ou somos nós que estamos olhando a realidade com um olhar mais crítico e menos esperançoso? Será que a gente ficou mais cínico, e isso contaminou nosso olhar?
A gente, enquanto sociedade, costumava olhar pro futuro com mais esperança, mesmo diante de realidades objetivamente ruins?
O erro está fora ou está dentro? E essa é a pergunta de um milhão de dólares, porque não adianta consertar o que está fora se o erro está dentro, nem o que está dentro se o erro está fora.
E aí? Como faz?
Para quem trabalha com astrologia, que já tem o “software astrológico” instalado na mente, por assim dizer, a vida é feita de ciclos.
O Sol se põe toda noite e nasce na manhã seguinte. Depois do inverno, vem a primavera. Depois o verão, o outono e o inverno de novo.
De seis em seis meses mais ou menos tem dois eclipses, um solar e outro lunar (ou vice versa). O ciclo é previsível, e o que aconteceu antes vai acontecer de novo. O tempo existe mas não é improvável nem insondável, porque você sabe o que vai acontecer. E por que? Porque aconteceu no ciclo passado. Tudo tende ao Dia da Marmota, e é graças a esse monte de ciclos que temos esse alfabeto simbólico que permite prever coisas.
Vai acontecer, você sabe que vai, talvez um tanto mais tarde ou mais cedo. Time is a flat circle e a liberação do Samsara é uma possibilidade real oficial, certo?
Certo?
Gostaria de pensar que todos os problemas que eu terei nesse inverno serão como os do inverno passado. Porém, com esse clima louco do planeta, fica mais difícil fazer previsões. E se, dependendo do lugar, a neve começa a dar lugar a chuvas torrenciais? E se o verão for escorchante de quente, de um jeito que crie um novo significado pro adjetivo “quente”? E ai? Faz como?
Que raio de ciclo é esse cheio de coisas inusitadas e fora da curva? Será que o método ainda funciona? Como que faz previsão profissional com uma economia instável?
Sabe, isso me lembra da época que eu comecei a jogar tarô. Foi em 2020, no primeiro ano de vida do meu filho, durante a pandemia. E se por um lado a reclusão forçada me deu mais tempo e ferramentas pra estudar esse oráculo, por outro foi uma época bem difícil para se fazer previsões. Especialmente quando eram perguntas desesperadas de outras pessoas.
Eu nem jogava profissionalmente nem nada, mas as perguntas chegavam. Como se já não fosse bastante difícil lidar com o sofrimento das pessoas, tinha todo o contexto pandêmico pra deixar tudo mais difícil.
Tem horas que eu queria poder conversar pessoalmente com os filósofos e místicos do começo da era cristã. Porque, na moral, não era uma época fácil. Todo turbilhão social da época foi o que motivou, em parte, o desenvolvimento dessas tecnologias de oráculo e macumba. Afinal, amanhã vai ter guerra? O rei vai morrer? Os romanos vão conquistar a cidade? E as colheitas, como que fica? O povo vai passar fome?
Não por acaso que foi nessa época que a literatura apocalíptica - da qual o livro do Apocalipse é a obra mais famosa - floresceu na bacia do mediterrâneo. O mesmo espírito que inspirou profetas a relatar suas visões e sua crítica social foi o mesmo que também inspirou astrólogos a criar suas técnicas de previsão e aforismos. Cada um à sua maneira, tentando lidar com as crises e sofrimentos do começo da era comum frente à dominação de um império que ainda iria se expandir bastante antes de ruir.
O mundo não acabou. Em termos literais, acho pouco provável que acabe. Sim, as coisas continuam, mas em que termos?
O mundo antigo, este sim deu lugar a outro mundo. Provável que estejamos passando por um processo parecido.
Tem um episódio do Esoterica (que eu agora não lembro qual é) em que o Dr. Sledge comenta que é um pouco de vaidade ou narcisismo acreditar que o fim dos tempos (se é que é possível isso) aconteça justamente na nossa geração, enquanto estamos vivos. Que nós, essa geração atual que sofre, seja a geração escolhida ou amaldiçoada a ver o fim dos tempos. De todas as demais, justo essa.
Tem uma vaidade aí.
Tivemos períodos históricos bem mais difíceis que o atual. E ainda que o período atual esteja repleto de problemas, ele ainda fica atrás de outros períodos períodos históricos no quesito “candidato ao apocalipse”.
Fico imaginando o fim da Segunda Guerra. Qual era o prospecto de futuro do mundo depois da vitória dos aliados, com tantas perdas de todos os lados?
Claro, isso não torna nossas ansiedades infundadas ou triviais. São os demônios da nossa época. São os demônios que a gente precisa lidar, mesmo desconhecendo seus nomes e não tendo poder algum sobre eles.
Mas é preciso colocar as coisas em perspectiva, inclusive pra não surtar.
Não custa lembrar que a vitória do Bolsonaro era improvável na época por ser um candidato do baixo clero concorrendo com gente como Haddad, Alckmin e (pasmem) Ciro Gomes.
Ao que tudo indica, os EUA não vão mais bancar essa guerra - a Europa que pague a conta, se quiser continuar bancando.
Também não é animador se você é de direita porém não faz parte da elite econômica.
Em termos teológicos, varia em função da cosmologia. Há mitos que estabelecem o mundo tendo uma fundação, uma duração e um declínio, enquanto outras tratam o mundo como um fenômeno perene (talvez o maior de todos) que não tem começo nem fim, pois é um ciclo eterno.
Convém lembrar que a palavra apocalipse, originalmente, significa “revelação”, por se tratar de um relato de uma visão mística… que narra o fim do mundo dos homens e a chegada do reino de Deus, na tradição cristã.
gostei muito da reflexão. tenho um texto aqui no subs em que eu reflito sobre a crise climática e a astrologia, e tenho pra mim que talvez os ciclos astrológicos não deem mais conta de previsões tão precisas porque a natureza foi tão alterada pelo ser humano que esse assim na terra como no céu esteja dando falha na matrix. acho que é essa a diferença pro nosso apocalipse contemporâneo: a gente sabe que não está "a mercê" da natureza, estamos a mercê, na verdade, de pouquíssimos homens de poder. aí agora é elaborar essa insanidade...vamo pensando...